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Escola e estilos brasileiros de cerveja. Será?

Uma conversa sobre estilos de cerveja que tem surgido, cervejas produzidas com processo local, com seu terroir e a ideia de uma escola cervejeira nacional.

As notícias (ou não) que chegam até nós

Recentemente o Word Beer Awards (concurso cervejeiro realizado em Londres, com etapas eliminatórias em vários países)  anunciou como um dos estilos do concurso o Brazilian Pale Ale, surpreendendo quase que a totalidade do setor.

A pergunta se tornou inevitável: Temos uma Brazilian Pale Ale? Quais são os parâmetros para esse estilo? Onde são fabricadas? Quais cervejarias e quais pessoas já beberam ela? Pelo que se sabe até então, não há uma produção orgânica em diversas cervejarias ou em determinados espaços sócio culturais  para dizer que existe esse estilo.

Mas um tempo atrás também surgiu um estilo BR Ale, uma espécie de Cream Ale com dry hopping adocicada. E as mesmas perguntas se fizeram presentes: Quais os parâmetros? Será que não existem correspondentes nos guias como BJCP e B.A.

Enfim, depois da Catharinas Sour, o que percebemos é um pipocar de estilos em todos os cantos, mas o que tem por trás de tudo isso? O que é realmente um estilo de cerveja?

O que é um Estilo de Cerveja?

É preciso entender o que é um estilo de cerveja, como se constitui, como ele é criado e como ele se torna uma representação, uma fatia de um determinado espaço sócio cultural.

Os estilos de cervejas são criados pelo meio que elas “vivem” e as representam culturalmente. Estão inseridas num contexto histórico e cultural, num meio que proporciona com que aquele determinado estilo possa existir, criando uma ressignificação histórica também, portanto criam uma identidade social.

Em tese seria só isso, mas não é. Existem outros fatores que determinam ou que fomentam e instigam a criação e organização de estilos ou culturas cervejeiras. Também passar por comportamentos de grupos.

Também é importante nesse contexto o aspecto geográfico e o que a biodiversidade que o país oferece como madeiras, frutas, cepas de leveduras, podem construir e fortalecer essa sensação de estilo brasileiro.

E outro fator importante, o que as cervejarias, o mercado está produzindo que realmente nos leve a considerar um estilo e por consequência uma escola que pertença esse estilo.

A procura de uma identidade

Nessa angústia de buscar uma identidade ou criar estilos, podemos desenvolver algo vazio, mecânico que não é organicamente funcional, muito ainda envolvido como a influência americana.

Como criar uma identidade brasileira diante de um massacre cultural que sofremos constantemente?

Ao observarmos com cuidado muito tem sido feito para construir essa identidade de fato. Como por exemplo a Catharina Sour, estilo brasileiro com frutas regionais que tem tomado conta do mercado brasileiro e em alguns lugares fora do país.

Será que seria daí a nossa característica principal? Nossa vasta gama de material para desenvolver receitas tendo como base estilos já consagrados? Talvez sim, talvez não.

Nação Cervejeira

Nação Cervejeira

Lembrei de uma palavra que a Bia Amorim cita na sua parte no Guia de Sommelieria de Cervejas quando ela trata justamente de uma Escola Brasileira: Descolonização.

Um país é integralmente independente quando ele rompe barreiras não só políticas, mas ideológicas em busca de uma identidade própria, única, insolúvel.

É preciso pensar como nação cervejeira, não como um arremedo de algo estrangeiro, algo fora de nós. Construir uma identidade parte de nos conhecermos como país produtor e criador de cerveja e não meros receptáculos e reprodutores.

Aqui cabe uma diferença entre copiar ou somente reproduzir, colocar um marketing em cima e outra nos inspirar, buscar algo fora de nós que nos identificamos e recriamos ao nosso gosto.
Não necessariamente uma única e exclusiva identidade, mas muitas, plural.

Precisamos criar uma representatividade de matizes culturais de um país continental como o nosso.
Se vamos afirmar que um estilo nasce de aspectos históricos e socioculturais de um país, que é multicultural, então nada mais justo que termos uma colcha de retalhos que desenvolvem fatores tecnológicos, sociológicos e culturais para desenvolver determinado tipo de estilo de cerveja.

Nossa brasilidade

E essa nossa colcha de retalhos não está apenas em criar estilos, mas também em produzir cervejas com a nossa cara.

Cervejas como as desenvolvidas pela Cozalinda de Florianópolis (SC), que buscando o seu terroir nos entrega cervejas com acidez, complexas com o uso de mandioca, como sua cerveja Lambioca, uma Wild Ale onde sempre usam mandioca na receita e leveduras selvagens locais. Assim também como a Zalaz (MG) que também usa leveduras locais selvagens da região da Mantiqueira.

No uso de frutas, adjuntos e madeiras brasileiras temos criado nossa brasilidade também, pegando como base estilos clássicos e colocando nosso tempero próprio.

Exemplos disso não faltam: Carvoeira da Lohn Bier, uma das cervejas mais premiadas do país, que leva candy sugar, funghi secchi e cumaru (a baunilha brasileira); a Way Amburana Lager , maturada em barril de amburana cearense, madeira muito usada em produção de cachaça; a Cauim é outra referência, uma pilsen de origem mas com adição de mandioca, criando uma referência a cultura indígena.

E existem muitos outros exemplos. E o que isso significa? Significa que, até de certa forma, ainda estamos nos redescobrindo, nos encontrando com toda nossa brasilidade.

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