Perguntas que não querem calar…
Tá, alguém deve ter chegado aqui e dito: Claro que harmoniza, não harmoniza?
Enfim, chegamos num ponto para discutir sobre onde a cerveja cruzou com a gastronomia e onde que isso se perdeu. Trocaram ou ainda trocam uns flertes, mas na verdade o vinho ainda é a opção mais conhecida. Em que ponto a cerveja, tão versátil, perdeu, ou não conseguiu ganhar tanta atenção no meio gastronômico? Onde foi que essa linha não se cruzou mais?
Houve uma “revolução” na gastronomia assim como na cerveja de consumo em massa. Sim, a alta gastronomia sempre teve, mas antes o consumo em massa predominava com os fast-foods e as lagers anericanas, hoje, a busca por uma gastronomia que entrega algo a mais, cresceu como a cerveja. Em que ponto houve essa desconexão? Houve desconexão?
Três parágrafos que terminam com ponto de interrogação. E isso sugere muito. Temos muito o que ponderar e discutir sobre o tema.
E a tal gourmetização?
Primeiro, precisamos entender onde isso conecta com a nossa cerveja. A gourmetização é um processo de popularizar a gastronomia e ao mesmo tempo tornar pratos simples em mais elaborados. Penso que isso aconteceu dentro de uma transformação de cultura gastronômica e com a economia. Com a busca de novos sabores, as pessoas começaram a procurar algo que se identificasse mais com ela do que as comidas em massa, as massificações de sabores tão comuns entre os fast-food, pratos feitos, hambúrgueres e até nos buffets.
Essa busca de identidade foi uma resposta a um poder aquisitivo melhor, ou seja, mais opções para buscar algo que realmente se conecte com o cliente e também com todo um pensamento de busca de identidade própria.
Então os simples pratos que eram consumidos de forma desprovido de sentidos, só com a função de alimentar, começaram a ter um caráter com foco na experiência. Pratos simples de padarias, se tornaram grandes experiências com determinados tipos de cafés, pasteis do boteco, tornaram-se mais elaborados tendo uma diversidade de ingredientes, hambúrgueres com diversos tipos de carnes. Enfim, um acesso a determinados tipos de comida que antes simples, passaram a ter um caráter mais elaborado.
E a cerveja nisso tudo?
A cerveja ao mesmo tempo começava passar por uma transformação cultural. Com diversos estilos e aromas, as cervejas artesanais começaram a se juntar nesse movimento. Talvez tenha sido um movimento só, na verdade. Toda a gourmetização também fez impulsionar a revolução cervejeira.
Então descobriu-se que nós poderíamos ter um leque de opções que poderiam ter uma diversidade muito mais rica que o vinho, por exemplo.
Garret Oliver em seu livro “A Mesa do Mestre Cervejeiro” trata sobre isso. Para ele o “O vinho é uma bebida de produção simples”, é claro que tem toda a escolha de uvas, mas “para fazer vinho, bastam uvas. Esmague-as, a levedura da casca vai dar início à fermentação e em pouco tempo – voilá! – eis o vinho. (…) Já a cerveja não é tão simples, sua fabricação é uma arte bem mais complicada do que a de produzir vinho. “O mestre cervejeiro precisa escolher entre uma diversidade incrível de ingredientes para se chegar a um determinado resultado que se queira”.
Desde a escolha do tipo de malte, entre um torrado, um com mais caramelo ou até a escolha de cereais não maltados, passando por uma diversidade incrível de lúpulos, centenas de variedades de leveduras, passando até pela água.
Toda essa gama resulta em uma diversidade ainda maior de estilos de cervejas. Centenas de estilos de cerveja. Então se todo essa gama, essa diversidade existe, por que não se liga tão incrivelmente com a gastronomia?
Cerveja e Gastronomia se ligam, mas não se conectam
Como disse a Ludmyla do Surra de Lúpulo numa conversa, “existe a pecha que a cerveja é popular e não requintada e que não harmonizam com as comidas como o vinho.” E aqui cabe uma observação interessante.
Ainda achamos de um modo geral que a nossa cerveja é aquela do boteco, estupidamente gelada, rala de sabores e aromas que tem a função única e exclusiva de matar a sede. Enfim, ainda existem estruturas arcaicas que precisamos exorcizar do nosso cotidiano.
Ainda estamos ligados aos pratos de botequim, mesmo assim esses pratos não harmonizam em quase nada com a cerveja que está a sua frente.
Aí existe um outro problema, a tal harmonização cultural. Um erro absurdo que se trata, quando a questão é harmonizar, por exemplo, feijoada, fritura, gorduras de botecos com uma american lager. É comum, é, mas está bem longe de harmonizar, de extrair algum resultado positivo.
Muitas camadas para discutir
Sim, entender essas camadas é necessário para compreender melhor o que está acontecendo no cenário da gastronomia e cerveja. Ela existe, está ali, mas sua comunicação, sua conexão é tão fraca, tão frágil que não chega a ser reconhecida por todos como algo relevante.
Muito bom texto!